10 de novembro de 2016

No Rio, ONU Mulheres promove debates sobre gênero, racismo, maternidade e tecnologia

Evento ‘Por um Planeta 50-50 em 2030: Mulheres do Amanhã’ reuniu ativistas, pesquisadoras e ‘youtubers’ para uma tarde de debates sobre a condição atual da mulher no Brasil. Entre as convidadas, Djamila Ribeiro, Helen Ramos, do canal HelMother, Kenia Maria, da página ‘Tá bom pra você?’, e Monique Evelle, do Desabafo Social.

Kenia Maria conduziu as atividades do ‘Planeta 50-50’ e criticou sub-representatividade de negros e mulheres na TV e na publicidade. Foto: UNIC Rio / Matheus Otanari



Kamila Brito é fundadora do projeto BARCO Hacker,que leva capacitação tecnológica a comunidades ribeirinhas da Amazônia.



Ativistas, pesquisadoras, blogueiras, “youtubers” e artistas agitaram o Museu do Amanhã, na última sexta-feira (28), para celebrar o empoderamento feminino e questionar estereótipos que afetam negativamente as mulheres. Organizado pelo centro cultural, pela ONU Mulheres e outros parceiros, o evento “Por um Planeta 50-50 em 2030: Mulheres do Amanhã” debateu obstáculos ainda existentes à igualdade de gênero.
A pesquisadora em filosofia política e secretária-adjunta da pasta municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, Djamila Ribeiro, alertou que “não se pode pensar gênero sem pensar raça”. “Nos últimos dez anos, aumentou em 54,8% o assassinato de mulheres negras”, disse.
A especialista criticou o racismo institucional que atravessa a sociedade brasileira e faz com que pessoas negras se sintam “inadequadas” em determinados espaços — de ensino, lazer e tomada de decisão — majoritariamente ocupados por brancos.




Ressaltando que no Brasil mulheres afrodescendentes vivem em contextos com os piores Indicadores de Desenvolvimento Humano (IDH) e enfrentam as maiores taxas de violência e também de mortalidade materna, a ativista afirmou que “nenhuma luta séria no país pode existir sem ter a questão racial como um nexo prioritário porque a gente está falando da maioria da população”.
porque a gente está falando da maioria da população”.



Performance de Adriana Rolin sobre empoderamento feminino dá início ao evento  sobre igualdade de gênero
Monique Evelle, fundadora do Desabafo Social, projeto criado em Salvador para a promoção dos direitos humanos em ambientes de ensino, lembrou que era a única estudante negra de sua classe na escola privada onde estudou.
Discriminação e machismo fizeram com que ela passasse grande parte da sua vida com receio de expressar suas opiniões e de se relacionar com os outros. “Racismo não é bullying. Relacionamento abusivo não é prova de amor. Eu nunca fui tímida, fui silenciada”, disse.

Racismo não é bullying.
Relacionamento abusivo não é prova de amor.
Eu nunca fui tímida, fui silenciada.

Monique lembrou ainda que o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking global de feminicídio e que, por dia, 13 mulheres são mortas violentamente no país. “Até o final da minha fala, daqui a dez minutos, uma mulher terá sido estuprada”, alertou.
Ivo Herzog, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, chamou atenção para o papel da educação na eliminação da violência. Segundo o especialista, escolas não devem apenas alfabetizar ou ensinar estudantes a fazer conta. Centros de formação devem difundir direitos humanos.

“A gente tem que trabalhar com a criança, desde a creche, o ensino fundamental, para ela entender a riqueza que é a questão da diversidade, a questão do respeito. Entender que a pessoa que é diferente por gênero, religião, raça, cor, isso é uma coisa que agrega à comunidade dela”, afirmou. “A gente não tem que ter medo de nenhuma educação.”
O evento no Museu do Amanhã foi realizado pela ONU Mulheres em parceria com o Twitter, a agência Heads e o Grupo Boticário. A tarde de conversas teve ainda apresentações da artista Adriana Rolin e do bloco do Carnaval carioca, Mulheres Rodadas. Celebrações foram encerradas com show da cantora Hananza.

Mulheres e negros sub-representados na publicidade

Durante o evento, a agência de publicidade Heads divulgou dados sobre a representação da mulher e do negro em campanhas brasileiras.
Analisando pouco mais de 8 mil filmes publicitários exibidos em canais de televisão, a empresa descobriu que apenas 26% deles tinham mulheres como protagonistas. Oitenta e quatro porcento dessas personagens eram brancas e apenas 12% eram negras.
Quando homens eram as figuras centrais dos anúncios — em 33% dos casos analisados —, apenas 7% eram afrodescendentes. Nas outras peças publicitárias estudadas, os personagens eram ou os próprios produtos ou a sociedade em geral ou grupos com homens e mulheres.

A atriz Kenia Maria, que conduziu as atividades do “Planeta 50-50”, lamentou a ausência de determinados grupos na TV brasileira, meio de comunicação ao qual 97% da população tem acesso. “Eu nunca vejo famílias negras ou gays em comerciais de margarina por exemplo”, disse.
Para ela, empresas devem estar atentas à falta de diversidade, pois a representatividade é boa para as sociedades e também para os negócios. Com apoio da família e amigos, Kenia criou uma página no YouTube — o “Tá bom pra você?” — onde recria comerciais para dar visibilidade aos afrodescendentes brasileiros e criticar padrões publicitários hegemônicos.

Maternidade

A também “youtuber” Helen Ramos, do canal HelMother, discutiu como os estereótipos de gênero são perpetuados pela educação que mães, pais e pessoas próximas dão a crianças em casa.
“Desde pequeno, os meninos são ensinados que eles não podem ser sensíveis, que eles têm que fazer algum esporte, e as meninas, que elas têm que brincar com coisas rosas, serem princesas”, disse a blogueira que é mãe de Caetano, de apenas dois anos de idade.
“Você conhece um super-herói que não seja fortíssimo, ou que não caia numa luta, numa batalha? A gente tem algum super-herói que cai no choro, que é sensível, que o super-poder dele é estudar ou ajudar a mãe?”, questionou.
Em sua página no YouTube, Helen mostra como a romantização da maternidade acaba tornando invisíveis os problemas enfrentados por mães e gestantes durante a criação dos filhos.
“Eu queria que as pessoas entendessem que, ao se falar sobre isso, não é porque você está com depressão ou porque você não gosta de ser mãe. Não, eu amo o meu filho, mas é preciso trazer à tona os problemas, as dificuldades da maternidade para que, assim, as pessoas tomem consciência e possam ajudar”, explicou.

Empreendedorismo na tecnologia

Outra participante do “Planeta 50-50”, a jovem Kamila Brito apresentou o projeto Barco Hacker, liderado por ela e outras mulheres para levar capacitação tecnológica a comunidades ribeirinhas vivendo em ilhas e regiões afastadas da vida urbana na Amazônia.
No setor de tecnologia, “existe o machismo, existem os eventos que você vê (serem compostos por) 100% homens palestrando”, lembrou.
Kamila contou que já foi demitida de alguns empregos por coordenar o Barco Hacker, mesmo se envolvendo com a iniciativa apenas nos finais de semana e fora do horário de trabalho. A empreendedora afirmou que não desistiu do projeto, pois não queria abrir mão do compromisso de empoderar as pessoas.
Segundo a criadora do Barco, a igualdade de gênero começa com o acesso à informação. “E hoje em dia, o principal canal de informação é tecnológico, então não tem como você desvincular essas áreas.”
Mais notícias de: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário